Um levantamento inédito feito pela Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde de São Paulo com cortadores de cana de 27 usinas da região da cidade de Ribeirão Preto, no norte paulista, revelou o alto nível de desgate físico imposto aos trabalhadores do setor. As condições insalubres de trabalho dessa categoria não são novidade, mas o que impressiona no estudo é uma radiografia detalhada da rotina extenuante e repetitiva desses homens. No estado de São Paulo são, aproximadamente 140 mil cortadores.
Segundo o estudo, a cada um minuto trabalhado, são feitas 17 flexões de tronco por minuto pelo cortador e aplicados 54 golpes de facão. O joelho fica todo o tempo semiflexionado e há extensão da cervical. Não há sombra nos canaviais e o cortador não se hidrata adequadamente. Ao longo do dia, diz o estudo, o trabalhador perde oito litros de água do corpo.
Por dia, são cortadas e carregadas em média 12 toneladas de cana em São Paulo. Nesse trabalho, o cortador percorre um percurso de quase nove quilômetros, em média. Os trabalhadores levam água de casa para beber na lavoura e depois reabastecem nos reservatórios dos ônibus, que em maioria não são refrigerados e apresentam péssimas condições de higiene. Como comem no canavial, os trabalhadores também não têm local adequado para guardar as marmitas e a comida estraga.
– Descobrimos que cerca de 40% da água consumida por eles não era potável. Não há lugar adequado para armazenar a alimentação consumida que, muitas vezes, azeda com o calor. Mas eles são obrigados a comer por causa do esforço físico. As consequências são dores de estômago, diarreias, entre outras doenças. O dono da lavoura não oferece condições básicas, como mesa e cadeira para refeição. E não há sanitário. E estamos falando do estado mais rico do Brasil – diz a diretora da Vigilância Sanitária do estado de São Paulo, Maria Cristina Megid, uma das coordenadoras do estudo.
Para chegar a esses números a equipe da vigilância acompanhou 229 turmas cortadores de cana entre 2007 e 2009. Das 27 empresas pesquisadas, 29 foram autuadas por irregularidades.
– Não há como ver as condições de trabalho dos cortadores de cana e não se emocionar – diz Maria Cristina.
O estudo servirá de base para nova regulamentação para o setor. Segundo ela, durante o primeiro semestre deste ano, o governo do estado deve fazer consultas públicas para editar normas para melhorar a condição dos cortadores de cana.
Ao todo, a Vigilância abriu processos administrativos contra 197 usinas fiscalizadas em 144 municípios do estado de São Paulo. Segundo Maria Cristina, boa parte das empresas apresentaram programas de adequação após a fiscalização.
A próxima safra começa em junho e as empresas que não se cumprirem às exigências do órgão estadual podem ser impedidas de realizar a colheita.
Em nota oficial, a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) rebateu as criticas da vigilância e afirma que oferece água tratada e gelada para todos os trabalhadores e que o setor cumpre as normas de trabalho dentro dos acertos entre sindicato e governo.
– O estudo sobre o trabalho nas lavouras de cana, contém uma série de erros e conclusões equivocadas, distantes tanto da realidade do setor quanto das posturas que o setor vem adotando há vários anos. A nota (da Vigilância Sanitária) afirma haver descumprimento de obrigações legais, como o uso de equipamentos de proteção individual e a disponibilização de água fresca, de forma absolutamente genérica, sem indicação mais concreta do que está sendo alegado. A Unica rejeita esse tipo de alegação – diz a nota
Segundo levantamento da Unica aproximadamente 40% dos canaviais ainda utilizam este tipo de mão-de-obra.
O presidente da Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana), Ismael Perina Júnior, diz que atender as exigências da Secretaria de Saúde aumentará os custos de produção.
– Teremos que cumprir o que a legislação determina. As adaptações têm impacto no custo e não temos como repassar, pois o preço é balizado pelo mercado. O custo da colheita deve subir quando fizermos essas mudanças – destacou Perina.
Fonte: O Globo